quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Reforma Pereira Passos: Deslocando os candomblés do centro do Rio, para regiões mais afastadas

REFORMA PEREIRA PASSOS: DESLOCANDO OS CANDOMBLÉS DO CENTRO DO
RIO PARA REGIÕES MAIS AFASTADAS, CONDENANDO-OS À NÃO MORRER
AUTOR
Márcio Marcelo da Luz Ribeiro
NOTA BIBLIOGRÁFICA
Licenciado em História pela Universidade Estácio de Sá.
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo mostrar que a Reforma Pereira Passos, ocorrida no
início do século XX na cidade do Rio de Janeiro, com o intuito de modernizar e embelezar a
capital federal, apagando os resquícios do passado escravista, lembrado a todo instante pela
maioria negra que habitava a região do centro. Seus costumes, musicalidade e religiosidade
representada, sobretudo, pelo candomblé era algo que se queria longe das vistas e da memória. O
“bota-abaixo” ao destruir os terreiros, não os extinguiu, condenou-os a preservação, pois, ao
migrarem para os Subúrbios e Baixada Fluminense, continuaram vistos e frequentados ao ponto
de o candomblé tornar-se patrimônio imaterial do Rio que, um dia, o queria esquecido.
PALAVRAS-CHAVE: Pereira Passos, Candomblé, Rio de Janeiro, Patrimônio imaterial
INTRODUÇÃO
Desde o final do século XIX, O Rio de Janeiro se torna principal destino da população
negra, que vinha da Bahia. Ao chegarem, na bagagem, traziam, entre outras coisas, sua
religiosidade, fortemente presente nas cronicas de João do Rio (1881-1921). A cultura negra era
tão intensa, na cidade, que o famoso sambista Heitor dos Prazeres chegou a a chamar a região de
pequena África. Barros(2009 apud BARROS, 1995); (MOURA, 1995).
A cidade do Rio de Janeiro, após a abolição (1888) teve, aumentada, de maneira
considerável, a população de desempregados, que viviam de maneira insalubre nos cortiços do
Rio, tendo o mais famoso deles o nome de Cabeça-de-porco. Inspirado nas Reformas de Paris
(1853-1870) o presidente Rodrigues Alves, incumbiu o prefeito e engenheiro Pereira passos de
um conjunto de reformas que modernizassem a Capital da República. (CARVALHO, 1987). As
populações atingidas pelo "bota-abaixo" foram obrigadas a se dirigirem às regiões periféricas, a
ocuparem os morros e a Baixada-Fluminense (BARROS, 2009) e nesse deslocamento foram fundando
candomblés nas diversas regiões do Rio conforme o professor Agenor Miranda da Rocha, conhecido
como (Oluo) Adivinho (ROCHA, 1994).
Veremos que o "bota-abaixo", do início do século, tornou-se positivo para as religiões de
matrizes afro-brasileiras (em especial o candomblé), pois, ao abrigá-las a se deslocar obrigou-as a
sobreviver, já que na medida em que seus líderes e adeptos seguiam na, forçada peregrinação, fundavam
novas casas, que deram origens à outras casas. Vale mencionar, que por possuir caráter iniciático e
hierárquico, cada novo membro é um, provável, futuro sacerdote. Outro fator importante à essa
permanência é que esses líderes e membros se respeitam, se comunicam e se consultam sobre
procedimentos, tecendo uma rede de relacionamentos, entre os terreiros, o que os torna, além de
apoiadores, "fiscais" uns dos outros. Assegurando a continuidade de suas tradições.
1. Rio de negros
Desde os anos finais do século XIX e em maior fluxo após a abolição (1888), a cidade do Rio de
Janeiro — que tinha fama de ter maior tolerância religiosa — fora alvo da “migração interna”
(BARROS, 2009 apud BARROS, 1995) da população negra vinda, principalmente, da Bahia onde havia
intensa repressão e perseguição aos candomblés1, por parte da polícia. (LUHNING, 1995).
Essa massa de negros passa a ocupar às regiões do centro da cidade, onde era mais barato morar
e também, porque, o local já era habitado por um considerável número de negros, que acolhiam os
recém-chegados. Outro fator importante era a proximidade com o porto possibilitando a chance de um
emprego na estiva2 (BARROS, 2009). Além dos negros haviam, os portugueses, os italianos e os
espanhóis e conforme Augras (1995, p.123) os “migrantes nordestinos”, todavia, os negros eram
maioria.
A freguesia3 de Santa Rita — que, futuramente, seria vertida nos bairros de Santo Cristo, Saúde,
Cidade Nova — e a freguesia de Santana, na visão das elites, eram os locais de gente da pior espécie:
Chegadas à malandragem, ao furto, ao vício e a tudo o que fosse contra a lei a e à ordem. E é,
justamente, nesses locais que estavam concentrados os terreiros de candomblé. (MOURA, 1995).
1 Plural de candomblé: Religião iniciática de matriz afro-brasileira onde são cultuadas forças da natureza e os
ancestrais.
2 Serviço de movimentação de carga a bordo de navios no porto.
3 Essa denominação vem desde os tempos coloniais, quando a cidade era ordenada em diversas
freguesias ou paróquias, depois, com a dissociação de Igreja e Estado, essas mesmas
freguesias passaram a abranger os territórios de jurisdição administrativa.
Na virada do século, com quase um milhão de habitantes, o Rio de
Janeiro era o centro vital do país. Principal sede industrial,
comercial e bancária, principal centro produtor e consumidor de
cultura, a cidade era a melhor expressão e a vanguarda do
momento de transição por que passava a sociedade brasileira (MOURA, op. cit, p.63)
Apesar de toda essa importância, as condições da cidade não eram das melhores, tornando-a
conhecida — internacionalmente — como porto sujo e cidade da morte por causa das péssimas e
insalubres habitações, o que possibilitava a proliferação de constatantes epidemias. (BENCHIMOL,
1992) Sobre as habitações desse período, Carvalho (1987, p.94) diz que as casas de cômodos e cortiços
eram locais “(...)onde, se comprimiam os cubículos e casinhas dezenas de pessoas (...)”.
Moura (1995), conta que a contradição que havia com a presença dessas casas populares na
parte mais valorizada da cidade era permitida devido aos interesses daqueles que lucravam com os
alugueis já que o investimento era mínimo dadas as péssimas condições de infraestrutura dessas
habitações. Barros (2009) acrescenta que essa tolerância só existia por estas serem do lado mais antigo
da cidade que era esquecido pelas autoridades, porém, todo esse estilo de vida estava com os dias
contados já que essa negritude afrontava a elite branca carioca por lembrar o passado de escravidão —
considerado agora como barbárie — que se queria esquecido, por não representar o pensamento
positivista europeu em que se queria estar enquadrado.
1.2 DOS CANDOMBLÉS
Na África, cada região era dedicada a um único orixá, ou seja, não se cultuava mais de uma
divindade em um mesmo local. A junção dos cultos a vários deuses em um único local é uma adaptação
feita aqui no Brasil. Na Bahia. (MATTOS, 2007). Segundo o autor Edison Carneiro (1946), a fundação
do primeiro terreiro de candomblé, ou melhor, sua organização, é feita por volta de 1830, no bairro da
Barroquinha, transferindo-se, em definitivo, para o bairro do Engenho Velho onde está até hoje com o
nome Ìyá Omi Àxé Airá Intilé.
O Calundu4 foi a primeira referência de religiões afro no Rio de Janeiro, conforme Barros
(2009) No Brasil Imperial, na década de 1870, um ex-escravo “calunduzeiro” chamado Juca Rosa ganha
fama de grande feiticeiro e este seria o percursor da umbanda e do candomblé na capital. (SAMPAIO,
2000).
As crônicas de João do Rio5, publicadas em 1904 no jornal Gazeta de notícias e posteriormente
reunidas no livro As Religiões no Rio, do mesmo ano, dão conta de um Rio de Janeiro dos cortiços e
concomitantemente das várias facetas da noite carioca. João era “mulato” o que não impediu que seus
4 Palavra de origem bantu que significa espírito que se apossa de alguém.
5 Pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, foi um jornalista, cronista, tradutor e
teatrólogo brasileiro.
relatos fossem carregados de preconceito, contudo, é impossível não reconhecer o seu inestimável valor
por mostrar detalhes da vida dos malandros; das prostitutas; dos adeptos do candomblé. Ele revela os
endereços dos terreiros da cidade permitindo aos estudiosos traçarem um mapa das localizações destes.
(RIO, 1976). Por três meses o jornalista fora guiado:
(...) pelas casas da rua de São Diogo, Barão de São Félix, Hospício, Núncio e da América,
onde se realizavam os candomblés e viviam os pais-de-santo, alufás e feiticeiros da cidade.
Além disso, o cronista citou por várias vezes, nomes de pais-de-santo e de alguns
praticantes de candomblé, juntamente com [sic] endereços completos de locais onde tais
práticas eram realizadas, além de locais por onde circulavam. (CARVALHO, 2009, p.5)
No centro da cidade, a região da Pedra do Sal6 imortalizada, pelo famoso sambista Heitor dos
Prazeres, com o nome de Pequena África, entre outras coisas, pela diversidade de negros, vindos, de
diferentes nações africanas habitarem o local (MOURA, 1995) “onde suas manifestações culturais
puderam ser preservadas, legando à cidade um valioso patrimônio cultural, especialmente através da
música e da religião” (BARROS, 2009, p.125).
1.3 A ELITE E OS FEITICEIROS
Na obra de Bastide (1985), nota-se que desde os tempos coloniais muitos brancos estavam
envolvidos com o candomblé, buscavam os sacerdotes negros por seus encantos e rituais. O candomblé
se estabeleceu não apenas pela participação dos adeptos, os leigos7 desempenharam papel importante.
As adivinhações, oferendas e iniciações eram e são realizadas mediante pagamentos, afinal, como
explicita Baptista (2005, p.68) "No candomblé nada é de graça", cobra-se o “chão”.8 As crônicas de João
do Rio descrevem membros da elite carioca entrando e saindo dos endereços, famosos à época, dos
candomblés do Rio. (RIO, 1974) . Mesmo antes, na sociedade escravista da década de 1870, os leigos
recorriam aos feiticeiros, conforme trecho a seguir: “Aquela casa, tão frequentada pela gente fina do
sexo feminino, era, nada mais, nada menos, do que o antro do feiticeiro José Sebastião da Rosa,
conhecido por Juca Rosa” (SAMPAIO, 2000, p.8).
1.4 NA RELIGIÃO E NO SAMBA
6 Localizado no bairro da Saúde, perto do Largo da Prainha, na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. É onde se
encontra a Comunidade Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal.
7 Entendido, aqui, por não iniciados no candomblé.
8 Termo adotado no candomblé para nomear cobranças por serviços religiosos.
João da Baiana, sambista do início do século XX, falou sobre os eventos na casa de Tia Ciata
(1854-1924):
(...) o samba era antes. O candomblé era no mesmo dia, mas uma festa separada. A parte do
ritual acontecia depois do samba. os sambas na casa de tia Asseata9 eram os mais
importantes, pois, era onde os sambas, quando nasciam no morro, tornavam-se conhecidos
na roda. (LOPES, 1981, p.17).
Um dos mais famosos terreiros do candomblé e certamente o mais famoso terreiro do samba do
início do século XX, estava localizado à rua Visconde de Itaúna, era o endereço de Tia Ciata (Hilária de
Almeida), iniciada no candomblé da Bahia, tornando-se, no Rio, filha de santo de João Alabá. Suas
festas ganharam respeito desde que seu marido — que era funcionário público — havia sido promovido
para a função de chefe de polícia. A indicação ao cargo ocorreu porque Tia Ciata teria curado a perna do
Presidente da República Venceslau Brás10 de uma ulceração insistente. Sua casa era um lugar
privilegiado para as reuniões entre negros, funcionários públicos, membros da polícia, mulatos e
brancos de classe media baixa. (MOURA, 1995).
João do Rio faz menções negativas à Tia Ciata, em três de seus artigos, chama-a de falsa mãe de
santo e a acusa de ter feito um preparo que deixou louca uma distinta senhora da Tijuca, porém, a pior
das ofensas, para “alguém do santo”11, que ele fez, foi a afirmação de que Ciata jamais fora iniciada no
candomblé (RIO, 1976). Esta alegação não é apoiada no, denso, trabalho de Moura (1995) sobre Ciata e
pode ser fruto de boatos devido ao seu prestígio com as autoridades.
O próprio cronista onde diz que: “Os pretos se odeiam intimamente, formam partidos de
feiticeiros africanos contra feiticeiros brasileiros” (RIO, 1976, p.55) comentado por Conduru (2010,
p.179): “João do Rio deixa entrever disputas por prestígio e poder na comunidade religiosa (...)”. sobre
o livro de João do Rio Elizabeth Castelano Gama diz que: “(...) não é bem visto pelo povo-de-santo,
acredito que tanto pelas passagens com conteúdo depreciativo em relação à religião, quanto por oferecer
informações que contradizem a memória dominante”. (GAMA ,2012, P.34).
1.5 QUEM INCOMODA QUE SE MUDE
"Esse Rio de Janeiro, eminentemente negro, afrontou a elite dominante carioca, que seguia o
modelo europeu da belle époque12. A única forma de branquear a cidade e torná-la compatível com a
9 Variação do nome de tia Ciata.
10 Presidente do Brasil entre 1914 e 1918.
11 Adeptos do candomblé.
12 Expressão francesa que significa bela época, foi um período de cultura cosmopolita na história da Europa que
começou no fim do século XIX (1871) e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914.
ideologia positivista foi iniciar o processo de modernização". (BARROS 2009, p125).
De todos os Cortiços, do centro da cidade, o mais célebre foi o Cabeça de Porco — a fama era
tanta que até hoje costuma-se chamar as moradias irregulares por este nome — chegando a ter 4.000
moradores. Sua principal entrada era pela rua Barão de São Félix número 154 onde tinha um arco
ostentando a figura de um porco, motivo pelo qual ganhou o nome. Na manhã do dia 27 de Janeiro de
1893 o Cabeça de Porco deixava de existir. A demolição fora iniciada na noite do dia 26 e seguiu
durante toda a madrugada. Cerca de 140 operários, munidos de machados e picaretas, supervisionados
pessoalmente pelo, então, prefeito Barata Ribeiro, que via o fim do cortiço como questão de honra. O
local já estava a um ano com uma das duas alas interditada. No fatídico dia, 2.000 pessoas ainda
estavam no local, viam-se homens, mulheres e crianças carregando colchões, cadeiras, panelas e tudo o
quanto pudessem. O aparato policial era tamanho que não houve reação por parte dos que estavam
sendo desabrigados. (CALHOUBE, 1996).
2. UM NOVO RIO
Entre 1853 e 1870, a cidade de Paris passou por reformas que transformaram as características
medievais da cidade tornando-a modelo de progresso para as outras grandes cidades do mundo.
(BENCHIMOL, 1992).
Em 1902, toma posse como presidente da Republica, Rodrigues Alves e desmentindo o apelido
de "Soneca" iniciou um programa de obras públicas, financiado por recursos estrangeiros — 8.500.000
libras — conforme prometera em seu discurso de posse, priorizou obras de saneamento e reforma
urbana. Nomeou o engenheiro Pereira Passos para prefeito do Rio e o medico sanitarista Oswaldo Cruz
ao cargo de diretor do Serviço de Saúde Pública. As desapropriações foram iniciadas em 1903 e em
1904 as demolições. Na Saúde Pública enfrentou a febre amarela e em seguida a peste bubônica
exterminando ratos e pulgas e fazendo a limpeza e a desinfecção das ruas e casas. (CARVALHO, 1987)
Pereira Passos idealizou seu projeto — que tinha a missão de embelezar a cidade e atrair capital
estrangeiro — inspirado nas reformas, Haussmann, realizadas:
(...) em Paris, onde permaneceu de 1857 até fins de 1860. Nesse periodo, travou
conhecimento com os engenheiros da ecole de Ponts et Chaussks e tornou-se assiduo
frequentador de seus cursos, dedicando-se ao estudo de arquitetura, hidraulica, construção
de portos, canais e estradas de ferro, (...) (BENCHIMOL, 1992, p.192)
Em 29 de fevereiro de 1904 ocorreu a primeira demolição. Um prédio localizado na altura do
número 27 da Rua da Prainha13, em 8 de Março, do mesmo ano, fora o lançamento da pedra
fundamental do primeiro edifício construído, na esquina da Rua da Prainha, em frente ao Liceu Literário
Português. As reformas dividiram opiniões, uma parte dos proprietários viam-nas como grande
oportunidade de lucro em decorrência das indenizações pagas aos locatarios. Comerciantes não viam
com bons olhos a remoção de seus estabelecimentos e muita gente reclamava da cidade destruida.
Jornais, propagandistas das reformas, estampavam, em suas folhas, as vantagens de uma cidade
moderna que facilitasse a atuação da polícia contra os “gatunos”14 e “celestinas”15 que manchavam a
imagem do Rio de Janeiro. (BENCHIMOL, 1992).
Em novembro de 1904, mês em que ocorreu a revolta da “Revolta da Vacina”16 —
pormenorizada no livro Os Bestializados: O Rio de Janeiro da República que não foi de José Murilo de
Carvalho 1987, p. 93-139 — que não será observada neste artigo. O trabalho de demolição das casas
para abrir a avenida Central, terminara em 16 novos edificios. O eixo central da avenida foi inaugurado
em 7 de setembro, do mesmo ano, durante as comemorações da Independência, já com serviços de
bonde e iluminação elétrica. Ao todo 640 prédios foram derrubados na parte mais habitada da cidade.
(CARVALHO, 1987). O porto do Rio de Janeiro só foi inaugurado pelo presidente Afonso Pena (1847-
1909), em 20 de Julho de 1910. O novo “(...) aspecto arquitetônico durou cerca de 40 anos até a difusão
do concreto armado e a construção dos “arranha-céus”, já no período vargas" (BENCHIMOL, 1992,
p.227).
2.1 NÃO FOI O FIM
Com a destruição do antigo casario e a modernização da cidade, houve grande valorização da
região do centro. A “gente pequena”17, expulsa pelas reformas, foi habitando o entorno do cais do porto,
subindo os morros, onde construiram as favelas e em seguida a Cidade Nova.(ROCHA, 1994).
Depois, essa população e seus terreiros de candomblé, foram seguindo para a Zona Norte, subúrbios
cariocas, como Madureira e finalmente para a, distante, Baixada Fluminense. (BARROS, 2009).
Com a melhoria dos transportes, são muitos os que se mudam para os subúrbios antes
ocupados pela aristocracia com suas chácaras agrícolas e para o regalo dos fins de semana,
pelas propriedades da Igreja, ou ainda por um embrião da pequena classe média carioca,
proprietária de lotes menores, assalariados que desfrutando de relativa estabilidade de
trabalho, podiam arcar com os custos do transporte para seus empregos no Centro. Como as
novas linhas e o realismo do “bota abaixo” a cidade se expande para o norte como local
13 Atual rua Acre.
14 Pessoa que faz pequenos furtos.
15 Alcoviteira; cafetina.
16 Ocorrida entre 10 a 16 de novembro de 1904 contrária a vacinação obrigatória, contra a varíola, imposta pelo
governo federal.
17 Maneira, pejorativa, pela qual chamavam os pobres à época estudada.
para a moradia de sua população mais humilde que cresce em grande número com as novas
levas de migrantes, o que cria problemas em relação ao transporte da massa operária
suburbana e a seu custo, ainda hoje não resolvidos.(MOURA, 1995, p.58).
Devido a forte tradição oral, presente nas religiões de matrizes africanas, não temos documentos
que atestem, com precisão, as datas de fundação e transferência dos terreiros durante o período das
reformas, porém, segundo os escritos do memorialista professor Agenor Miranda Rocha (1907-2004) —
iniciado no candomblé e conhecido como Oluo (adivinho) — podemos entendê-las como consequência
imediata destas.
Agenor nos conta que o primeiro terreiro aberto na Baixada Fluminense Foi o Axé de Mesquita
(A Casa Grande de Mesquita), fundado após 1926, por Dona Pequena de Oxalá e por seu marido, João
Bankolê. (ROCHA, 1994), porém, no Jornal O Globo de 9 e 16 de dezembro de 1925, respectivamente,
era noticiado que candomblés perturbavam a vizinhança, em Nilópolis e Nova Iguaçu (Baixada
Fluminense), o que derivou à batidas políciais. Este fato possibilita-nos perceber que haviam terreiros,
na Baixada, antes de 1926 como descrito pelo professor Agenor.
Naquele momento, as práticas religiosas afro-brasileiras eram perseguidas e reprimidas pela
polícia civil, que atuava seguindo o artigo 157 do Código Penal de 1890, que previa punição para a
prática de magia e afins. Somente em 8 de abril de 1939, foi promulgado o decreto 1.202, lei federal.
Deixando de autorizar a perseguição e a repressão das práticas religiosas afro-brasileiras. (CONDURU,
2010).
2.2 TRADIÇÃO
Muitas são as casas-de-santo abertas nos Subúrbios e Baixada Fluminense, contudo, as laudas
desse artigo não dariam conta de nomeá-las.
De todas, uma das mais célebres é o Ilê Axé Opó Afonjá18 aberto por mãe Aninha de Xangô
(1869-1938), inicialmente, no bairro da Saúde, em 1886, mudando em seguida para São Cristóvão. E,
como conesequência da Reforma Pereira Passos, ela transfere seu terreiro para Coelho da Rocha na
Baixada-fluminense. Atitudes como a de Mãe Aninha estimularam, direta e indiretamente, a abertura de
várias casas de candomblés nas regiões da Baixada. (OLIVEIRA; LIMA, 1987).
O professor Agenor acrescenta que entre as décadas de 1920 e 1930, morrem as principais
lideranças do candomblé do Rio: Rodolfo Bamboxê, João Alabá, Cipriano de Abedé e Aninha de Xangô,
suas mortes tiveram como consequência o fechamento de suas casas, com exceção do Ilê Axé Opó
Afonjá ( Mãe Aninha). Estes fechamentos, não foram o fim, significou crescimento, pois, a dispersão
18 Frase em iorubá que significa: Casa cuja força vem de Xangô.
culminou na abertura de novas casas que se espalharam por todo o Grande Rio. (ROCHA, 1994).
2.3 INOVAÇÃO E CONTINUIDADE
Não há como falar das religiões de matrizes afro-brasileira, no Rio, sem mencionar o nome de
João Alves Torres Filho, Joãozinho da Goméa (1914-1971). Ele deixa a Bahia em 1948 e abre um
terreiro na Rua General Rondon, nº 360, em Duque de Caxias, Joãozinho era muito criticado pelas
lideranças mais ortodoxas do candomblé por expor aos leigos as danças dos orixás em apresentações
teatrais, no Cassino da Urca.
O luxo que empregava nas vestimentas dos orixás também fora alvo de críticas, porém, na
atualidade, este luxo passou a fazer parte das cerimônias. Ele era uma verdadeira celebridade, atendia,
em seu barracão19: Políticos; diplomatas; esposas de políticos; artistas. Aconselhava leitores em um
jornal da cidade onde residia. Talvez, seu maior mérito foi o de aproximar a sociedade do candomblé.
(SILVA, 2010).
Para Bastide (2009), Além de grande inteligência, Joãozinho, possuia forte visão capitalista.
Morre aos 57 anos em decorrência de um procedimento cirurgico, contudo, é inquestionável que ele
mudou a forma como o candomblé seria visto.
O professor Agenor que viveu estas mudanças acontecidas na religião, em que fora iniciado
ainda criança, nos faz entender que os terreiros abertos nos Subúrbios e Baixada, mesmo com
características diferentes das primeiras casas do Rio, garantem a continuidade da religião afro-brasileira.
(ROCHA, 1994). Como consequência dessa continuidade, ou por ironia, em 15 de julho de 2009, o
candomblé passou a ser Patrimônio Imaterial do Estado do Rio de Janeiro, conforme a Lei n° 5506 (RIO
DE JANEIRO, 2009).
3. CONCLUSÃO
O Rio de Janeiro, após o advento da belle epóque, não queria mais as marcas da escravidão,
expostas como “fraturas”. Era preciso tornar-se uma, grande, metrópole igualada às mais modernas
cidades do mundo. O prefeito Pereira Passos, incumbido dessa missão, “botou abaixo” os resquícios do
passado colonial, empurrando, para longe do centro, a população, de maioria negra, que habitava a
região. Os candomblés estavam espalhados pela cidade e por consequência das demolições, tiveram que
buscar novas localizações para dar continuidade às suas práticas religiosas.
As religiões de matrizes afro-brasileira, assim como, outras, tantas, religiões espalhadas pelo
mundo, ao sofrerem perseguições, buscam, talvez em sua fé, meios para se adaptar, forças para
19 O mesmo que terreiro.
continuar e sobretudo se multiplicar. Os candomblés, representados nas figuras de seus líderes, até
meados do século XX, instalaram-se nos Subúrbios e Baixada Fluminense e assim mantiveram vivas
suas tradições.
O sonho de modernizar a capital federal realizou-se, as populações indesejadas passaram a
habitar longe das vistas das elites, todavia, como que por uma grande brincadeira, dessas que somente a
História é capaz, o “moderno” visual da cidade durou por mais três décadas, até que a Era Vargas (nos
anos 1940), mudasse tudo outra vez, em nome da modernidade.
Já os negros, sua música e sua religiosidade representada na figura do candomblé, que no
passado fora perseguido, invadido e saqueado, cumprindo-se os rigores da lei à época, hoje, pela lei, é
garantido e protegido.
Neste sentido compreendemos que os processos que levaram a permanência, não sem
modificações, da religiosidade afro-brasileira, hoje tão estudada por intelectuais de diferentes áreas, tem
início, muitas vezes no improviso, ou seja, buscando adaptar-se da melhor maneira possível.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Matutina, Geral, p.7 Disponível em:<www.oglobo.com.br> Acesso em: 12 mar. 2015.
3. AUGRAS, M. A. Alteridade e Dominação no Brasil. Rio de Janeiro, NAU, 1995. 180p.
4. BAPTISTA, J.R.C. "No candomblé nada é de graça...": estudo preliminar sobre a ambiguidade nas
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7. BASTIDE, R. O candomblé da Bahia: rito nagô. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
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